Artigo por Maurício dos Santos
Você já deve ter lido ou lembrado da frase “Somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos” do jornalista Airton Ortiz.
A verdade escrita pelo escritor gaúcho é sensorial por inteira. Por quê? Uma sociedade pode existir – existem muitas, de fato – sem escrever, mas nenhuma sociedade pode existir sem ler!
Pensando nisso, é preciso questionar: onde estão as bibliotecas nas construções mais recentes? Qual o espaço dedicado às salas de leitura? Quem lembra da leitura e afeto nos espaços físicos públicos e privados?
Sejam elas físicas, virtuais, memorizadas – as bibliotecas definem nossa identidade individual e social. Somos o que lemos, ou o que já lemos. As pessoas com transtorno do espectro autista (tea), de ansiedade e com algum desafio na atenção, carecem de espaços afetivos que a façam mergulhar em mundos de tranquilidade, paz e bem-estar no meio da vida urbana e do caos das cidades.
Sabemos que os caminhos neurais que servem à leitura de um texto impresso não são os mesmos que servem para uma leitura na tela. Mas não sabemos ainda exatamente como essas mudanças fisiológicas influem sobre nossa compreensão e elaboração de um texto.
A conexão entre tela e papel; mundo online e offline pode (e deve) ser valorizada em novos espaços de leitura e conhecimento. Biblioteca é o lugar ideal e oficial de toda pesquisa. Justificar que a tecnologia multimídia substitui as bibliotecas físicas não é uma resposta inteligente à triste ausência de bibliotecas nas construções.
A leitura estritamente virtual propõe uma leitura “cut and paste”, ou seja, pegar fragmentos dos textos propostos na tela e juntá-los a outros, sem construir pontes contextuais próprias. Tampouco exercitam a memória, que é confiada a uma máquina. Isto faz com que supervalorizem o momento presente e não tenham consciência da experiência passada, que deve ser memorizada e reelaborada para servir à ação presente.
As ciências humanas e sociais nos mostram o poder subversivo da leitura, que nos abre, nos transporta, nos move. Ler como forma de abordar o mundo e a nós mesmos pelo encontro com palavras que de algum modo se endereçam a nós, a cada um, “de longe e há muito tempo”.
Mas a leitura é um termo educativo que vai muito além da página. A página é só um de seus disfarces. Ler tem a ver com o astrônomo que lê um mapa de estrelas que já não existem, o arquiteto japonês que lê a terra onde vai ser construída a casa; o zoólogo que lê os vestígios e rastros que os animais deixaram em seu caminho na floresta; o jogador que lê, de certa forma, as cartas do parceiro para poder armar sua jogada; e mesmo a leitura que os pais fazem do que o bebê pede, quer, ou precisa.
O inconsciente lê uma escrita, e está em sua função cifrar, como nos sonhos, e contar com o endereçamento em uma escuta, quando se trata de uma psicanálise, para que o endereçamento anime a suposição de um deciframento, por estar em exercício de fala, contando com a transferência que se estabelece analisante/analista.
E, sabemos, as perguntas, a possibilidade de formulá-las são a riqueza do simbólico, do que vem a nosso favor, na direção de nos situarmos para poder seguir.
Hannah Arendt definiu a cultura como “a aprendizagem da atenção”. Em uma sociedade onde valorizamos acima de tudo a velocidade, e acalentamos uma tecnologia acima de tudo impaciente, a atenção não se aprende facilmente, nem mesmo contemplando obras de arte.
Não se pode ensinar a ler no sentido mais amplo, mais profundo, sem ensinar-se valores sociais que nosso mundo atual rechaça. Se valorizarmos o rápido e o fácil sobre o difícil e o lento, como convencer alguém do valor da leitura?
Autor: Maurício dos Santos. Jornalista e especialista em Ciência Política; Mestre em gestão de políticas públicas
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