Há 30 anos, ao derrubar a hiperinflação, o Plano Real trouxe estabilidade à economia brasileira

Você se lembra de como era a economia antes do Plano Real? Há 30 anos, em 1º de julho de 1994, o Brasil passava por uma transformação que mudaria a vida de todos. O cruzeiro real, corroído pela hiperinflação, dava lugar ao real, uma moeda que trouxe estabilidade à economia brasileira. Quer saber mais sobre essa história?

O INÍCIO DE UMA NOVA ERA

A hiperinflação era um desafio gigantesco. Economistas tentavam diferentes planos, mas nenhum conseguia estabilizar a economia. Então, surgiu a ideia da Unidade Real de Valor (URV). Por três meses, preços e salários foram cotados tanto em cruzeiros reais quanto em URV, cuja cotação era atrelada ao dólar. No dia da criação do real, R$ 1 valia 1 URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais.

O DESAFIO DA ENGENHARIA SOCIAL

“Tem uma expressão popular ótima, que é o engenheiro de obra feita. Depois que fez, dizia: ‘Ah bom, devia ter feito assim.’ Mas durante o processo… Vamos lembrar, foi um processo extraordinariamente arriscado, difícil, com percalços, podia ter dado errado em vários momentos”, relembrou o economista Persio Arida, um dos criadores do Plano Real, em entrevista à TV Brasil.

O PLANO LARIDA E SUAS ORIGENS

O Plano Larida, que inspirou o Plano Real, foi apresentado pela primeira vez em 1984 pelos economistas André Lara Resende e Persio Arida. A ideia era criar uma moeda indexada atrelada à moeda oficial, algo parcialmente inspirado numa experiência heterodoxa em Israel na década de 1980. Esse plano conseguiu, finalmente, desindexar a economia e estabilizar os preços.

CONSENSO POLÍTICO: O CAMINHO PARA O SUCESSO

O sucesso do Plano Real também se deve ao raro consenso político da época. “Houve uma ação política de um governo transitório, do presidente Itamar Franco. Desprovido de vaidade, cedeu protagonismo ao presidente Fernando Henrique Cardoso [então ministro da Fazenda]. Houve uma perfeita harmonia entre a política e a economia para impactar no social, com um Congresso desorganizado após o impeachment do ex-presidente Collor”, ressalta Virene Matesco, professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

OS BENEFÍCIOS DO PLANO REAL

Ao acabar com a hiperinflação, o Plano Real trouxe poder de compra ao salário dos trabalhadores. Não era mais necessário correr para o supermercado no dia do pagamento para evitar a alta dos preços. “Para imaginar o legado do plano, compara com a Argentina hoje, que está tentando fazer o que fizemos com sucesso há 30 anos”, diz Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

RECONHECIMENTO E IMPACTO DURADOURO

Três décadas depois, economistas de diversas correntes reconhecem o sucesso do Plano Real. “O maior ganho do plano real foi trazer a inflação para níveis civilizados. Hoje, a inflação está de 4% a 5% por ano. O mérito do Plano Real foi principalmente civilizatório. Do jeito que era no Brasil, quem mais sofria as consequências eram os mais pobres”, afirma o economista Leandro Horie do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

UMA LIÇÃO DE ECONOMIA E POLÍTICA

O Plano Real não foi apenas um triunfo econômico, mas também um exemplo de como a política e a economia podem se alinhar para criar mudanças significativas. “Foi muito bem elaborada a questão da URV. O Plano Real usou tanto medidas ortodoxas, de ajuste fiscal e juros altos, para combater a inflação, como heterodoxo, que envolveu a criação de uma moeda paralela temporária”, relembra Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec.

DESAFIOS ECONÔMICOS

No aniversário de 30 anos, o real enfrenta o desafio de manter o poder de compra, num cenário de inflação global crescente. “A inflação alta no pós-pandemia [de covid-19] é perfeitamente explicável e abrange todo o planeta. Tivemos problemas sérios, de rompimento de cadeias produtivas, uma mudança geopolítica mundial, com guerras regionais, e mudanças climáticas que pressionam principalmente a oferta de alimentos”, explica a professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Virene Matesco.

IMPACTOS GLOBAIS

Economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec, Alexandre Espírito Santo diz que a inflação pós-pandemia é complexa, que desafia os Bancos Centrais em todo o mundo. “Tivemos um choque de oferta, com a quebra de cadeias produtivas no mundo inteiro que ainda estão se recompondo. Além disso, os bancos centrais injetaram muito dinheiro na economia global, dinheiro que ainda está circulando. A inflação no pós-pandemia tem várias causas e ainda vai durar muito tempo”, diz.

SALÁRIOS E PODER DE COMPRA

Outra maneira de interpretar a inflação acumulada de 708,01% seria dizer que o real perdeu 87,62% do valor em 30 anos. Isso, no entanto, não quer dizer que a população tenha ficado mais pobre na mesma proporção. Isso porque o poder de compra é definido não apenas pelo nível de preços, mas também pela elevação dos salários.

“A inflação depende de muitos fatores. No médio e no longo prazo, a economia se adapta às variações, inclusive à alta recente do câmbio que estamos experimentando. Existe a reposição dos salários e a interação do preço de um insumo com o restante da cadeia produtiva”, diz o economista Leandro Horie, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na prática, a reposição do poder de compra é influenciada pelo crescimento econômico. Em momentos de expansão da economia e de queda do desemprego, os trabalhadores têm mais poder para negociar reajustes salariais. Segundo o Dieese, 77% das negociações salariais resultaram em aumento real (acima da inflação) em 2023. Até maio deste ano, o percentual subiu para 85,2%. Com os reajustes acima da inflação, os preços se estabelecem num nível mais alto, sem a possibilidade de retornarem aos níveis anteriores.

NOVOS INSTRUMENTOS

Em relação à inflação no pós-pandemia, o economista do Dieese concorda com a complexidade do problema e diz que os instrumentos atuais de política monetária, como juros altos, têm sido insuficientes para segurar o aumento de preços. Isso porque a inflação não decorre apenas de excesso de demanda, mas de choques externos sobre a economia, como tragédias climáticas e tensões geopolíticas.

“No regime atual de metas de inflação, o Banco Central atua como se a inflação fosse meramente de demanda e elevando juros para reprimir a demanda interna. Só que a inflação, principalmente nos tempos atuais, é de uma natureza de choque de oferta, que a gente chama. A grande questão que tem de ser colocada, em nível global, é que outras formas os governos podem usar para segurar os preços, até porque a inflação envolve centenas de itens”, diz Horie.

PERSPECTIVAS FUTURAS

Ao longo de três décadas, o real enfrentou três picos de inflação anual de dois dígitos. O primeiro em 2002, quando o IPCA ficou em 12,53%, influenciado pelas eleições presidenciais daquele ano. O segundo ocorreu em 2015, quando o índice atingiu 10,67%, após a retirada de subsídios sobre a energia. O mais recente foi em 2021, quando a inflação encerrou em 10,06%, após a fase mais aguda da pandemia de covid-19.

Em 2024, a inflação começou o ano em desaceleração. O IPCA, que acumulava 4,51% nos 12 meses terminados em janeiro, caiu para 3,69% nos 12 meses terminados em abril. O índice, no entanto, acelerou para 3,93% nos 12 meses terminados em maio, por causa do impacto das enchentes no Rio Grande do Sul e da seca na região central do país. Para os próximos meses, a previsão é de novas altas, com alguns preços influenciados pela recente alta do dólar.

Alheios às oscilações econômicas e aos debates teóricos, os consumidores sentem os efeitos da inflação no bolso. “A gente sabe que muito da inflação é um efeito colateral da pandemia, que vai reverberando ao longo de toda a cadeia, mas acho que a comida, os bens de consumo em geral e os serviços também aumentaram. Está tudo um pouco mais caro no geral. Todo mundo vai aumentando o preço para tentar sobreviver e conseguir pagar o resto. As contas também”, diz o produtor audiovisual Lucas de Andrade, 40 anos.

O LEGADO DO PLANO REAL

A estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real transformou a vida dos brasileiros. “Se hoje a nossa vida é muito melhor, é graças aos nossos economistas que construíram um plano que fez muito pouco estrago na economia. O Plano Real acaba com a hiperinflação com quase nenhuma dor. Foi um plano extremamente transparente, feito por etapas e muito bem comunicado à população”, diz Virene Matesco, da FGV.

Fonte: Agência Brasil


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