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Artigo

O brutal assassinato de Julieta Hernández, a artista circense venezuelana que viajava pelo Brasil com sua bicicleta, encerrou o ano de 2023 como um alerta para o altíssimo índice de mortes ocorridas por feminicídio no Brasil.

Com ocorrências que ultrapassaram as paredes dos lares brasileiros e acontecem sem hora marcada nas ruas, restaurantes, escolas, no ambiente de trabalho, no esporte e tantos outros lugares, ficamos atônitos assistindo aos inúmeros atentados contra a integridade e a vida de tantas mulheres. Foram mães, filhas, tias, avós que morreram e estão morrendo, vítimas de ações machistas, misóginas e de intolerância.

A violência contra a mulher e a morte por feminicídio são um fenômeno da nossa atualidade que não distingue raça, classe social, nível de escolaridade, poder aquisitivo. Ao mesmo tempo em que uma jovem negra é assassinada, outra mulher branca é agredida, a exemplo do que ocorreu na pequena cidade de Dona Emma (SC), onde o corpo de dona Darci Novah Vahl, de 59 anos, foi encontrado já sem vida dentro de sua própria casa, depois que teria sido apunhalada pelo marido com um machado. E, em menos de um mês, há poucos dias, outro feminicídio ocorreu na mesma cidade, de Eunice Bertoldi, 43 anos, morta com um tiro na cabeça dado também pelo marido.

Não importa a idade. Não importa a localidade. Seja nas periferias mais populosas ou nas áreas rurais, indígenas, ou nobres. Morrem por serem mulheres. E na maioria dos casos, por motivos passionais. Muitas, inclusive com filhos, têm suas vidas violentamente ceifadas porque a herança do patriarcado delira que a mulher deve sua posse ao homem. Ora, a mulher é um ser humano livre que deve ser respeitado e, no contexto civilizatório, deve ocupar o seu próprio espaço de liberdade, ir e vir sem ameaças ou violência.

No Estado da Santa Catarina, em 2023, mais de 54 mulheres foram vítimas de feminicídio, segundo o Observatório da Violência Contra a Mulher. Apesar desses indicadores alarmantes, lamentavelmente verificamos que, neste ano, o Estado catarinense investiu somente 2,48% do seu orçamento anual previsto para medidas de apoio às mulheres vítimas de violência. Ou seja, dos R$ 15,8 milhões previstos para ações de acolhimento e apoio, a Secretaria de Assistência Social utilizou apenas R$ 393 mil, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Fiscal, divulgados recentemente.

É crucial entendermos o porquê desse descaso com relação à proteção das mulheres catarinenses. Os gestores públicos são os representantes da sociedade que podem e devem apresentar iniciativas para combater de forma eficiente esta triste realidade. Não é admissível que, mesmo autorizada orçamentariamente, não seja executada uma política social de tamanha relevância, especialmente neste momento.

Neste sentido, como contribuição, é importante buscarmos referências de boas práticas para ações mais efetivas. Uma delas, no âmbito federal, é a criação do Ministério das Mulheres, a partir de uma decisão política do presidente Lula, para consolidar a reconstrução de políticas públicas negligenciadas nos últimos anos. Por meio do Ministério das Mulheres foi possível ampliar a rede das Casas da Mulher Brasileira. Essas casas têm a função de acolher, proteger e acompanhar vítimas de violência doméstica no processo de distanciamento do agressor e reconquista de sua autonomia. Atualmente, existem apenas sete dessas instituições em funcionamento. Agora, o programa será estendido para 40 unidades, incluindo uma casa em Florianópolis.

A Câmara Federal, por sua vez, é um espaço para aprofundar este debate e apresentar alternativas legais para coibir a violência contra a mulher. Em dezembro de 2023, por exemplo, acompanhamos a aprovação de 14 projetos de lei de prioridade da bancada feminina, em alusão aos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. Entre os projetos aprovados, está o protocolo de prevenção à violência contra mulheres em shows e casas noturnas, que já foi sancionado. A Lei Não é Não (14.786/23) determina que os estabelecimentos e eventos que vendam bebidas alcoólicas tenham um protocolo de atendimento às mulheres vítimas de constrangimentos, assédio e violência sexual ocorridas nesses locais.

É muito importante que a sociedade esteja atenta, cobrando, fiscalizando e exigindo o cumprimento dessas leis. A eliminação da violência e o fim do feminicídio é uma tarefa de toda a sociedade. A civilização, o respeito e a tolerância entre as pessoas, gêneros e raças, são valores humanos que constroem uma sociedade melhor para se viver. Vamos juntos denunciar a violência contra a mulher, mudar comportamentos e preservar vidas. Por mais Julietas, Darcis, Eunices, Rosas, Anas, Catarinas, Marias…Suas vidas importam!


Artigo de Ana Paula Lima, deputada federal PT/SC

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