Catarinenses em destaque: Cruz e Souza – o poeta do desterro
A literatura brasileira é um vasto universo de expressão artística que abriga escritores de todas as origens e tradições. Em meio a essa diversidade literária, surge um nome que brilha como uma estrela nas constelações das palavras: Cruz e Souza. Nascido no século XIX, durante uma época de grandes transformações no Brasil, esse poeta afro-brasileiro deixou uma marca indelével na poesia brasileira.
Conteúdos
Os primeiros passos de um poeta extraordinário
Joaquim Maria Machado de Araújo, mais conhecido como Cruz e Souza, nasceu em 24 de novembro de 1861, na histórica cidade de Desterro, atual Florianópolis. Desde cedo, ele mostrou uma aptidão excepcional para a poesia, o que o levou a conquistar o título de “Cisne Negro”, devido à sua pele escura e seu dom para a escrita. Cruz e Souza era descendente de escravos, o que adiciona uma camada de complexidade à sua história, considerando as tensões raciais da época.
O simbolismo brasileiro
Cruz e Souza é frequentemente lembrado como um dos principais representantes do Simbolismo no Brasil. Esse movimento literário, que surgiu na França e se espalhou pelo mundo, destacou-se por seu foco na subjetividade, na espiritualidade e na estética. Na literatura brasileira, o Simbolismo foi uma reação à objetividade do Realismo e do Naturalismo. A poesia de Cruz e Souza se encaixou perfeitamente nesse movimento, uma vez que ele explorou temas profundos e universais com uma linguagem rica e simbólica.
Obras-primas
Cruz e Souza produziu uma série de obras-primas que cativaram os leitores e críticos de sua época. Seus poemas, muitas vezes de tom sombrio e melancólico, exploravam a espiritualidade, a morte, o amor e a natureza. Entre suas obras mais conhecidas estão “Missal” (1893), “Broquéis” (1893) e “Faróis” (1900). Seu estilo simbolista é caracterizado pelo uso intenso de imagens, metáforas e um profundo mergulho no eu lírico.
Impacto e legado
A poesia de Cruz e Souza não apenas influenciou seus contemporâneos, mas também deixou uma marca duradoura na literatura brasileira. Sua exploração da identidade e da espiritualidade, muitas vezes influenciada por sua fé católica, ressoou com leitores e poetas posteriores. Seu trabalho também contribuiu para a discussão sobre identidade racial e as complexidades da herança afro-brasileira.
Alguns poemas de Cruz e Souza
Sorriso interior
O ser que é ser e que jamais vacila
nas guerras imortais entra sem susto
leva consigo esse brasão augustondo grande amor, da nobre fé tranqüila.
Os abismos carnais da triste argila
ele os vence sem ânsias e sem custo…
Fica sereno, num sorriso justo,nenquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
O ser que é ser transforma tudo em flores…
E para ironizar as próprias dores
canta por entre as águas do Dilúvio!
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Livre
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
na alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.
Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas …
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos ve
enosnSutis e suaves, mórbidos, radiantes …
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…
Inefável
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.
Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.
Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raro
E de outras mais serenas madrugadas!
Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
Na minha alma volteando arrebatadas
Homenagem póstuma
Cruz e Souza é lembrado por sua contribuição incomparável à poesia brasileira. Além de suas obras imortais, Cruz e Souza também é honrado e celebrado por meio do Museu Cruz e Souza.
nO Museu Cruz e Souza está localizado em Florianópolis, a cidade natal do poeta. Este museu, inaugurado em 1984, foi criado com o intuito de preservar a memória e o legado de Cruz e Souza. Sua sede está em um edifício histórico no centro da cidade, que remonta ao século XVIII e serve como um cenário apropriado para a celebração da vida e obra desse poeta notável.
Cruz e Souza – O Poeta do Desterro, de Sylvio Back
Veja a seguir o o filme de Sylvio Back, de 1998, aborda, em segundo plano, a questão do racismo no Brasil. O filme não foi bem recebido pela comunidade negra brasileira, segundo Back, pois escancarava “a dor de ser preto no Brasil”.
Conclusão
Cruz e Souza foi um poeta extraordinário cuja vida e obra continuam a inspirar e cativar amantes da literatura em todo o Brasil. Seu legado é um testemunho da capacidade da poesia para transcender as barreiras do tempo e da cultura, tocando a alma daqueles que se aventuram em suas palavras.