Uso de águas termais em tratamentos pelo SUS traz novas perspectivas para a saúde pública

Uso de águas termais em tratamentos pelo SUS pode transformar o tratamento de saúde no Brasil

Foto: FreepikImagine poder cuidar da saúde com métodos naturais, que não só aliviam dores, mas também melhoram a qualidade de vida. É exatamente isso que o uso de águas termais, conhecido como termalismo ou balneoterapia, oferece. Essa prática, que remonta a tempos antigos, está ganhando força no Brasil, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do chamado termalismo social. No entanto, será que essa opção terapêutica pode realmente transformar a saúde pública no país? Como ela funciona e quais são seus benefícios?

Essas perguntas têm sido exploradas por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que buscam entender e promover a integração dessa prática ao SUS. Este artigo se aprofunda nas potencialidades do uso de águas termais, discutindo como essa terapia pode contribuir para a saúde pública e quais são os desafios para sua implementação em maior escala.

O QUE É TERMALISMO SOCIAL?

O termo termalismo social refere-se ao uso terapêutico de águas termais e minerais, incorporado como um serviço de saúde pública. Ao contrário da balneoterapia tradicional, que muitas vezes está associada ao turismo de luxo, o termalismo social tem um foco comunitário, buscando oferecer acesso a tratamentos naturais a pessoas que podem se beneficiar deles, especialmente aquelas atendidas pelo SUS.

Essas águas são chamadas de minero-medicinais por apresentarem propriedades físico-químicas únicas, com comprovado potencial terapêutico. Entre as modalidades mais comuns estão banhos termais, duchas, massagens, inalações de vapores de água termal, aplicação de lamas e exercícios aquáticos. A grande pergunta é: por que o SUS, que já lida com uma demanda enorme de tratamentos convencionais, investiria em uma prática aparentemente alternativa?

BENEFÍCIOS DO USO DE ÁGUAS TERMAIS EM TRATAMENTOS PELO SUS: MAIS DO QUE UM SIMPLES BANHO

Os benefícios das águas termais vão muito além do relaxamento. Estudos indicam que o termalismo pode aliviar dores crônicas, melhorar a circulação sanguínea, reduzir o estresse, tratar doenças dermatológicas e reumatológicas, e promover a reabilitação física, contribuindo para uma melhor mobilidade e qualidade de vida dos pacientes. Esses efeitos são tão expressivos que algumas localidades brasileiras já incorporaram o termalismo ao SUS.

Mas será que essas iniciativas são suficientes? De acordo com o professor Fernando Hellmann, do Departamento de Saúde Pública da UFSC, ainda há um longo caminho a percorrer. Ele destaca que a integração do termalismo social ao sistema de saúde é limitada e restrita a algumas iniciativas locais. “Não há um financiamento público específico e ainda existe desconhecimento dos benefícios potenciais desta prática no sistema público”, afirma Hellmann.

TERMALISMO SOCIAL NO BRASIL: UMA PRÁTICA ANTIGA COM NOVOS HORIZONTES

Você sabia que o uso de águas termais no Brasil tem raízes históricas profundas? Desde o período colonial, as propriedades terapêuticas dessas águas foram exploradas. Um exemplo marcante é a construção do hospital termal em Caldas da Imperatriz, em Santa Catarina, ordenada por Dom João VI em 1818. Essa tradição foi fortalecida ao longo dos anos, especialmente na primeira metade do século XX, com o desenvolvimento de estâncias hidrominerais e a fundação de cidades ao redor dessas termas.

Porém, a popularidade do termalismo diminuiu com o avanço da ciência farmacêutica e a proibição dos cassinos, que eram comuns nas termas. Mas a história não terminou aí. Em 2006, com a criação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, o conceito de termalismo social voltou a ganhar destaque. Essa política busca resgatar e promover práticas tradicionais e naturais de cuidado à saúde, como a fitoterapia e a acupuntura, e o termalismo social está entre as opções mais promissoras.

PRINCIPAIS DESTINOS TERMAIS DO BRASIL: UMA RIQUEZA SUBUTILIZADA

No Brasil, as principais estâncias termais estão localizadas em diversos estados, incluindo Santa Catarina, São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Entre as cidades que se destacam estão Santo Amaro da Imperatriz, Gravatal, Piratuba, Caldas Novas, Poços de Caldas e Araxá. Em Santa Catarina, além dessas, outras localidades como Quilombo, Palmitos, Ouro e Tubarão possuem grande potencial termal.

Porém, apesar desse vasto patrimônio natural, o uso dessas águas para fins terapêuticos no SUS ainda é restrito. Em algumas cidades, a população tem acesso a tratamentos termais por meio de programas específicos, geralmente oferecidos pelos municípios em estâncias termais locais. Esses tratamentos podem ser realizados tanto por meio de encaminhamento médico pelo SUS quanto de forma privada, diretamente nas clínicas e balneários.

DESAFIOS PARA A INCORPORAÇÃO DO TERMALISMO NO SUS: O QUE FALTA?

Se os benefícios são tão claros, por que o termalismo social não é amplamente adotado no SUS? Os desafios são muitos e vão desde a infraestrutura até a falta de políticas públicas específicas. O professor Fernando Hellmann destaca que, além da necessidade de capacitação dos profissionais de saúde, ainda há resistência à incorporação de práticas integrativas, o que dificulta a expansão do termalismo no Brasil.

Um dos principais entraves é a infraestrutura necessária para o uso terapêutico das termas. Para que essa prática seja realmente eficaz, são necessárias instalações com piscinas adaptadas, equipamentos para hidroterapia, como inaladores termais, banheiras de hidromassagem, cabines de vapor e saunas, além de profissionais qualificados, como fisioterapeutas, médicos e enfermeiros.

Outra barreira é a falta de recursos financeiros específicos para o termalismo. Embora existam algumas iniciativas locais que recebem apoio governamental, a abrangência estadual e nacional dessas práticas é extremamente limitada. “Na França, esse tratamento é coberto pelo sistema público de saúde. Em outros países, como a Itália, parte do tratamento é coberto. No Brasil, ainda temos muito a avançar”, avalia Hellmann.

PESQUISAS DA UFSC SOBRE TERMALISMO: CONHECIMENTO PARA PROMOVER A SAÚDE

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem desempenhado um papel fundamental na pesquisa sobre termalismo social e suas aplicações no SUS. No momento, o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) da UFSC está desenvolvendo uma parceria com o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa e a Universidade de Pádua, na Itália, para criar um mapa de evidências científicas sobre termalismo, com o objetivo de fomentar políticas públicas nessa área.

Entre as pesquisas em destaque está a tese de doutorado da estudante Tatiana Leite Müller, orientada pelo professor Fernando Hellmann, que investiga as diretrizes, protocolos e fluxos necessários para a prática do termalismo social no SUS. Este ano, Tatiana realizou um estágio na Cátedra de Hidrologia Médica da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, aprofundando seus estudos sobre o tema.

Outro trabalho importante é a dissertação de Natália Nair Soares, também orientada por Hellmann, que realizou uma análise comparativa do termalismo social nos sistemas de saúde da Europa, destacando as experiências da Espanha, França, Itália e Portugal. A pesquisa de Natália sugere que o termalismo pode ser uma alternativa economicamente viável para o SUS, promovendo a saúde de forma integrada e reduzindo o consumo excessivo de medicamentos. De acordo com o estudo, em Portugal, mais de 40% dos participantes de programas de termalismo relataram uma diminuição na necessidade de medicamentos para doenças musculoesqueléticas.

TERMALISMO SOCIAL NO BRASIL: UMA VISÃO DE FUTURO

O caminho para a incorporação do termalismo social ao SUS ainda é longo, mas as pesquisas realizadas pela UFSC apontam para um futuro promissor. Para que essa prática se consolide como uma alternativa viável e eficaz de cuidado à saúde, é necessário que se desenvolvam políticas públicas robustas, além de um esforço contínuo para capacitar profissionais e melhorar a infraestrutura necessária para esses tratamentos.

O Brasil possui um enorme potencial para expandir o uso terapêutico de suas águas termais, beneficiando milhares de pessoas que sofrem com doenças crônicas, reumatológicas e dermatológicas. À medida que mais pesquisas evidenciam os benefícios do termalismo, torna-se cada vez mais urgente a criação de programas de saúde pública que integrem essa prática ao SUS, democratizando o acesso a tratamentos naturais e de baixo custo.

Será que estamos prontos para adotar o termalismo como parte integral do cuidado à saúde no Brasil? A resposta a essa pergunta depende de um esforço conjunto entre governo, academia e sociedade. Afinal, cuidar da saúde não precisa ser sinônimo apenas de medicamentos e hospitais; pode também envolver a natureza, o bem-estar e a tradição.


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