Você já parou para pensar sobre o quanto a nossa estrutura digital está colonizada? Sim, mesmo vivendo em um país politicamente independente, o Brasil ainda enfrenta a dependência em relação às grandes empresas de tecnologia, especialmente as sediadas nos Estados Unidos. Essa realidade é o que muitos especialistas chamam de colonialismo digital. Mas, afinal, o que isso significa para a nossa soberania digital? Como podemos recuperar o controle sobre nossos dados e tecnologias? Vamos explorar essa questão.
Conteúdos
- O QUE É COLONIALISMO DIGITAL?
- A ASCENSÃO DAS BIG TECHS E O CONTROLE DO MERCADO
- MICHAEL KWET E A DOMINAÇÃO DIGITAL
- SOBERANIA DIGITAL: O CAMINHO PARA A AUTONOMIA
- EDUCAÇÃO VIGIADA: OS DADOS BRASILEIROS ESTÃO FORA DO PAÍS
- O PLANO BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A BUSCA PELA SOBERANIA
- O DESAFIO DA REGULAMENTAÇÃO DA IA NO BRASIL
- A SOBERANIA DIGITAL COMO UM CAMINHO PARA O FUTURO
O QUE É COLONIALISMO DIGITAL?
O termo colonialismo digital tem sido cada vez mais utilizado por especialistas como o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Segundo ele, o conceito refere-se à capacidade que países, como os Estados Unidos, possuem de controlar o fluxo de informações, dados e até mesmo políticas em países que não detêm uma estrutura tecnológica própria. No caso do Brasil, que não desenvolveu uma infraestrutura digital soberana, estamos constantemente enviando nossos dados para o exterior, onde são processados e transformados em produtos e serviços que retornam para nós com um preço elevado.
Sérgio Amadeu ilustra bem essa questão: “Nós entregamos nossos dados para o exterior e, com esses dados, os sistemas de inteligência artificial criam produtos e serviços e depois vendem para a nossa população, extraindo mais riqueza ainda”. Você já tinha pensado nisso? Que as empresas estrangeiras, além de lucrar com nossos dados, ainda detêm um poder significativo sobre nossas vidas digitais?
A ASCENSÃO DAS BIG TECHS E O CONTROLE DO MERCADO
Se olharmos para o início do século 20, as maiores e mais valiosas empresas eram as de petróleo. Hoje, porém, a história é bem diferente. O cenário econômico mundial é dominado pelas empresas de tecnologia da informação, como Microsoft, Apple, Google, Amazon e Meta. E, coincidentemente (ou não), todas essas empresas têm sede nos Estados Unidos. De acordo com a lista da Companies Market Cap, seis das dez maiores companhias do mundo em valor de mercado pertencem ao setor tecnológico, e todas estão no controle da arquitetura digital global.
E qual é o impacto disso? Quando as Big Techs controlam a infraestrutura digital, elas também influenciam políticas públicas, práticas econômicas e até a cultura local. No Brasil, já vimos situações em que empresas como o X (antigo Twitter) enfrentaram decisões judiciais e, em alguns casos, até desrespeitaram essas determinações. Isso não é apenas uma questão de negócios, é também uma questão de poder e controle.
MICHAEL KWET E A DOMINAÇÃO DIGITAL
O conceito de colonialismo digital foi amplamente discutido por Michael Kwet, autor de “Colonialismo Digital: O Império dos EUA e o Novo Imperialismo no Sul Global”. Kwet destaca que o domínio das grandes empresas americanas sobre o mercado digital prejudica o desenvolvimento local, mina a autonomia dos países do Sul Global e permite que essas corporações extraiam receitas dessas regiões.
E o que é o Sul Global? Esse termo é usado para se referir a países em desenvolvimento ou emergentes, localizados principalmente no hemisfério sul, como Brasil, Índia e África do Sul. São justamente esses países que mais sofrem com o colonialismo digital, pois não possuem as mesmas estruturas tecnológicas dos países desenvolvidos.
SOBERANIA DIGITAL: O CAMINHO PARA A AUTONOMIA
Se por um lado o colonialismo digital é uma realidade que afeta diretamente nossa economia e política, por outro, existe um conceito que busca contrapor essa dinâmica: a soberania digital. A soberania digital significa que um país é capaz de controlar sua própria infraestrutura tecnológica e digital, sem depender de empresas ou tecnologias estrangeiras.
Mas o Brasil tem esse controle? Infelizmente, não. Mesmo com estatais como Serpro e DataPrev, que possuem centros de armazenamento de dados, grande parte desses serviços vem sendo terceirizada para as Big Techs. Segundo Sérgio Amadeu, “as grandes corporações começaram a fazer pressão para terceirizar a infraestrutura computacional no Brasil, afirmando que não precisamos de servidores próprios, que eles cuidam disso para nós”. E, assim, perdemos o controle dos nossos dados e da nossa infraestrutura digital.
EDUCAÇÃO VIGIADA: OS DADOS BRASILEIROS ESTÃO FORA DO PAÍS
Você sabia que até os dados das nossas universidades estão sendo usados para alimentar a inteligência artificial dessas grandes empresas? Um levantamento recente da pesquisa Educação Vigiada mostrou que 74% dos e-mails de instituições de ensino superior no Brasil são armazenados no Google e 9% na Microsoft. Ou seja, nossos dados acadêmicos estão fora do nosso controle e sendo utilizados para treinar os algoritmos das Big Techs. Isso não é alarmante?
Como ressalta Sérgio Amadeu, “os dados da educação pública brasileira estão sendo usados para treinar a inteligência artificial dessas empresas. Estamos perdendo recursos econômicos fundamentais ao perder nossos dados”. E, nesse ciclo, continuamos a alimentar um sistema que retira nossa autonomia.
O PLANO BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A BUSCA PELA SOBERANIA
Felizmente, o governo brasileiro está ciente dessa problemática. Em julho deste ano, foi lançado o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2025, que pela primeira vez traz o conceito de soberania digital para uma política pública. O plano prevê investimentos de R$ 23 bilhões ao longo de quatro anos para transformar o Brasil em referência mundial no uso de IA, especialmente no setor público.
Esse movimento é crucial para que o Brasil recupere parte do controle sobre suas tecnologias e possa competir com países como os Estados Unidos e a China, que lideram o investimento em IA. Em 2023, os EUA investiram R$ 63 bilhões em IA, enquanto a China aplicou R$ 306 bilhões.
No cenário internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido o desenvolvimento de uma IA voltada para o Sul Global, que leve em consideração as particularidades culturais e econômicas dos países em desenvolvimento. Além disso, Lula tem pressionado para que seja criada uma governança global para a IA, que possa equilibrar o jogo entre as nações.
O DESAFIO DA REGULAMENTAÇÃO DA IA NO BRASIL
Dentro do Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei 2.338/23, que busca regulamentar o uso da IA no Brasil. No entanto, essa regulação enfrenta forte resistência das Big Techs e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que alertam que o Brasil poderia se isolar tecnologicamente ao estabelecer regras rígidas para o setor.
Mas, como aponta Sérgio Amadeu, essa oposição tem interesses claros: “As grandes corporações que controlam o desenvolvimento da IA não querem nenhum impedimento ao seu negócio. Obviamente, elas acionam seus sócios menores no Brasil e que têm lobby no Congresso”. Assim, o Brasil se encontra em um impasse: como regular uma tecnologia tão importante sem isolar o país dos avanços internacionais?
A SOBERANIA DIGITAL COMO UM CAMINHO PARA O FUTURO
Diante de todos esses desafios, fica claro que a soberania digital é um dos caminhos para que o Brasil e outros países do Sul Global possam escapar das amarras do colonialismo digital. Ter controle sobre a infraestrutura tecnológica, sobre nossos dados e sobre o uso da inteligência artificial é essencial para garantir a autonomia econômica e política do país.
Afinal, o que você acha? O Brasil deve investir mais em tecnologias próprias e fortalecer sua soberania digital ou continuar dependendo das grandes empresas de tecnologia? É uma reflexão importante, especialmente em um mundo cada vez mais digital e interconectado.
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