Extinção de milhares de mídias jornalísticas na última década reflete os desafios da sustentabilidade no setor

Nos últimos dez anos, o Brasil viu desaparecer mais de 2 mil veículos de comunicação. Um estudo conduzido pelo projeto Mais pelo Jornalismo (MPJ) revelou que, desde 2014, um total de 2.352 mídias jornalísticas foram extintas. Durante esse período, 10.795 novos veículos foram criados, enquanto 13.147 deixaram de existir, resultando em um saldo negativo significativo.

A pesquisa foi embasada no cadastro de mídias da plataforma I’Max, responsável pela idealização e financiamento do MPJ. Além disso, os pesquisadores analisaram a situação específica de rádios e veículos impressos em municípios com até 100 mil habitantes. Entre as 2,4 mil estações de rádio avaliadas, mais da metade (52%) não possuíam um portal de notícias. No segmento de mídia escrita, 21% dos veículos não tinham sequer um site próprio.

IMPACTO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E DA PANDEMIA

De acordo com a CEO da I’Max, Fernanda Lara, a migração do consumo de notícias para o ambiente digital e as mudanças no modelo de negócios do setor foram fatores determinantes para essa crise no jornalismo tradicional. “O saldo em uma década é negativo e nós não estamos falando de mídias pequenas. São mídias centenárias, que representavam cidades muito populosas e que simplesmente foram descontinuadas porque a transformação digital e a maneira que as pessoas consomem notícia impactou o negócio do jornalismo”, destaca.

Outro fator que contribuiu para o cenário desfavorável foi a pandemia de covid-19. Segundo Fernanda, os anos de 2021 e 2022 foram os mais críticos para o setor. “A partir de então, vemos uma recuperação. Nos últimos dois anos, 2023 e 2024, a produção jornalística brasileira ganhou fôlego, mas os números acumulados ainda assustam. Apesar dessa leve recuperação, o déficit permanece bem mais elevado do que tínhamos em 2020, quando o acumulado estava em 1.429”, analisa.

A ASCENSÃO DOS JORNALISTAS INDEPENDENTES

Mesmo diante da crise, um novo fenômeno tem ganhado força: o surgimento dos news influencers. Esses jornalistas independentes estão reinventando suas carreiras e criando seus próprios veículos de comunicação, muitas vezes especializados em nichos específicos. No entanto, apesar da ascensão desse novo modelo, a monetização e a sustentabilidade financeira dessas iniciativas ainda são desafios.

“Não é fácil você estabelecer uma publicidade séria para que, mesmo com esse novo fôlego, essas mídias se mantenham ativas comunicando e informando a sociedade no longo prazo”, alerta Fernanda. Ela enfatiza a importância de apoiar o jornalismo, especialmente para garantir a preservação da democracia. “Diante de um cenário que ainda se mostra muito negativo, nós, como uma empresa do setor e que entende a importância do jornalismo, resolvemos fazer esse projeto chamado Mais pelo Jornalismo”, conclui.

O FUTURO DOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL

A migração do jornalismo tradicional para o digital já era uma tendência há anos, mas se intensificou nos últimos tempos. A jornalista e pesquisadora Claudia Nonato, do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da ECA/USP, destaca que essa transição ocorreu em dois momentos: primeiro, muitos profissionais atuavam tanto nos veículos tradicionais quanto nas plataformas digitais; depois, houve um deslocamento quase completo para o digital. Paralelamente, os investimentos em publicidade também migraram, deixando os pequenos veículos sem suporte financeiro suficiente para continuar operando.

“Nesse movimento, o número de impressos foi reduzido, enquanto as rádios se ampliaram (com a facilidade da internet), os veículos digitais (blogs, sites e plataformas) se fortaleceram e se tornaram muito mais atrativos para esses profissionais, que inclusive se motivaram a criar novas mídias”, analisa Claudia.

Mesmo diante dos desafios, há sinais de progresso. Segundo dados do Atlas da Notícia, que monitora o jornalismo local no Brasil, houve uma redução de 9,5% no número de municípios considerados desertos de notícias. Além disso, o crescimento de rádios comunitárias e projetos jornalísticos locais trouxe esperança para a descentralização da informação.

OS DESAFIOS PARA A SUSTENTABILIDADE DO SETOR

Apesar das novas possibilidades, a especialista alerta que a maneira como o público consome notícias mudou radicalmente. Isso impactou diretamente o financiamento das mídias independentes, tornando-as dependentes de apoios coletivos, fundações e editais públicos. “O profissional também precisou se reinventar: migrou do analógico para o digital, passou a ter novas funções além da escrita. As equipes foram reduzidas, o local de trabalho deixou de existir, passou para o remoto, e o salário se tornou mais baixo”, pontua Claudia.

Nesse cenário, grandes plataformas como Meta e Google enxergaram uma oportunidade. Ao investir em iniciativas jornalísticas, essas big techs passaram a influenciar diretamente a sustentabilidade dos veículos digitais. Mas qual o preço desse apoio? Claudia sugere que, apesar dos incentivos financeiros, há um custo envolvido: a dependência dessas plataformas para a distribuição de conteúdo e a coleta de dados dos jornalistas.

A QUESTÃO DA DESINFORMAÇÃO E O PAPEL DO JORNALISMO

Com a migração do consumo de notícias para o digital, um problema se intensificou: a disseminação de fake news. O volume de desinformação aumentou consideravelmente nos últimos anos, impactando diretamente a percepção da sociedade sobre temas políticos, sociais e científicos.

Jornalistas passaram a desempenhar um papel ainda mais crucial na checagem de fatos e no combate à desinformação, mas essa nova demanda também trouxe desafios. As redações estão menores, os recursos financeiros mais escassos e a disputa pela atenção do público é acirrada. Como garantir que o jornalismo de qualidade continue sendo valorizado?

A NECESSIDADE DE NOVOS MODELOS DE NEGÓCIO PARA A MÍDIA

Diante desse cenário desafiador, especialistas defendem a criação de novos modelos de financiamento para o jornalismo. Além dos já existentes apoios coletivos e editais públicos, alternativas como assinaturas digitais, micropagamentos e parcerias estratégicas começam a ganhar espaço.

Algumas startups de mídia têm apostado em modelos híbridos, combinando conteúdos pagos e gratuitos, além de explorar novas plataformas como podcasts e newsletters para atrair audiência. Ainda assim, a busca pela sustentabilidade financeira do jornalismo segue como um dos maiores desafios da atualidade.

QUAL O FUTURO DO JORNALISMO BRASILEIRO?

O jornalismo está passando por uma transformação profunda e inevitável. O modelo tradicional já não sustenta o setor como antes, e a digitalização trouxe novas oportunidades, mas também desafios. Como garantir que o jornalismo continue cumprindo seu papel essencial na sociedade? Como equilibrar a busca por sustentabilidade financeira com a produção de conteúdo independente e de qualidade?

O futuro da informação no Brasil ainda está sendo escrito. O que sabemos é que o jornalismo jamais deixará de ser fundamental. A questão agora é: como reinventá-lo para garantir sua permanência?

Com informações de Agência Brasil

 



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