A Venezuela não é uma ditadura: entenda o sistema político único do país

 

A Venezuela não é uma ditadura entenda o sistema político único do país
Foto: Frenando Frazão/agência Brasil

A Venezuela não é uma ditadura, como muitos podem pensar, mas tampouco se encaixa perfeitamente no modelo de democracia liberal que serve de referência para o Ocidente. Essa é a perspectiva de Carla Ferreira, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que dedicou sua tese de doutorado ao estudo da classe trabalhadora no processo bolivariano da Venezuela. Ao longo de suas seis visitas ao país entre 2002 e 2013, Ferreira teve a oportunidade de dialogar com figuras chave do governo, lideranças chavistas e movimentos populares, obtendo uma visão profunda da realidade venezuelana.

O QUE DEFINA O SISTEMA POLÍTICO DA VENEZUELA ?

Carla Ferreira nos explica que a Venezuela atual não se alinha com os conceitos tradicionais de ditadura ou de democracia liberal. Segundo ela, o país vive uma situação política diferenciada, resultado de uma combinação de participação popular intensa e centralização do poder. Para entender essa complexidade, é preciso considerar as raízes históricas da crise venezuelana e o impacto das políticas internas e externas.

ORIGENS DA POLARIZAÇÃO POLÍTICA NA VENEZUELA

A polarização política na Venezuela tem suas raízes no colapso do capitalismo petroleiro rentista, que começou a se manifestar na década de 1970. A crise econômica resultante levou a uma série de insurreições populares, como o Caracazo de 1989. Essas convulsões sociais contribuíram para o surgimento do movimento bolivariano, liderado por Hugo Chávez, que buscava uma nova abordagem para o país, baseada na reapropriação da renda petroleira e na redução da influência das transnacionais, especialmente as estadunidenses.

Esse movimento, que se apresentou como uma alternativa ao neoliberalismo, entrou em choque direto com os interesses externos e com a antiga burocracia do setor petrolífero. A polarização interna intensificou-se, refletindo uma luta entre dois projetos diametralmente opostos: um voltado para a justiça social e outro para a manutenção dos interesses das elites econômicas e externas.

A VIOLÊNCIA POLÍTICA E A RESPOSTA DO GOVERNO

Carla Ferreira destaca que a extrema-direita na Venezuela, similar a outras expressões de ultradireita globalmente, adotou métodos de violência política bastante intensos. O uso de fake news, tentativas de golpe, e bloqueios econômicos impostos pelos Estados Unidos e seus aliados europeus contribuíram para a centralização do poder no governo e a crise das instituições.

Esse ambiente de alta polarização e violência política obrigou o governo a adotar uma forma de democracia plebiscitária, com uma série de referendos e eleições para reafirmar sua legitimidade. No entanto, essas medidas não foram suficientes para conter a crise, agravada ainda mais pelas sanções econômicas severas que levaram a uma emigração massiva da população e a uma deterioração das condições de vida.

OS MILITARES E O BLOCO SOCIAL CHAVISTA

Os militares desempenham um papel crucial na política venezuelana, sendo uma das únicas Forças Armadas da América do Sul com um regulamento explicitamente anti-imperialista. Ferreira observa que, enquanto alguns analistas criticam a presença militar no governo, a situação no Brasil também apresenta problemas relacionados ao poder militar e privilégios excessivos.

O bloco social que ainda apoia o chavismo inclui um setor interno produtivo, que surgiu em resposta ao bloqueio econômico. Além disso, a presença dos militares e o apoio de setores populares têm sido fundamentais para a manutenção do governo e para o enfrentamento das forças opositoras.

A VENEZUELA NÃO É UMA DITADURA

De acordo com Carla Ferreira, a Venezuela não pode ser classificada como uma ditadura no sentido tradicional. O país está longe de ser uma democracia liberal ocidental, mas sua realidade política é única e complexa. A situação atual é resultado de um processo revolucionário que não conseguiu efetivar todas as mudanças desejadas, criando um regime caracterizado por uma combinação de participação popular e centralização do poder.

Ferreira compara a situação da Venezuela com outros regimes, como o de Netanyahu, e critica a tendência de rotular o governo venezuelano como uma ditadura sem considerar o contexto histórico e social. A Venezuela enfrenta um endurecimento do regime devido à sabotagem interna e externa, mas a legitimidade do governo é assegurada por eleições que, até o momento, têm sido limpas e livres.

A SITUAÇÃO ELEITORAL ATUAL E AS PERSPECTIVAS FUTURAS

Sobre o recente processo eleitoral na Venezuela, Ferreira expressa cautela, ressaltando a necessidade de uma análise detalhada dos resultados antes de emitir julgamentos. Ela destaca a importância de respeitar a autodeterminação do povo venezuelano e a necessidade de uma solução negociada para a crise, com a participação de países como o Brasil, México e Colômbia.

O reconhecimento por parte dos Estados Unidos de uma suposta vitória do candidato opositor Edmundo González levanta preocupações sobre uma possível intervenção externa, o que poderia desestabilizar ainda mais a região. Ferreira sugere que o Brasil deve aprender com a experiência venezuelana e buscar uma política externa independente que promova a estabilidade regional e ajude a evitar a escalada de conflitos.

LIÇÕES PARA O BRASIL

O processo bolivariano e a polarização política na Venezuela oferecem lições importantes para o Brasil, especialmente no que diz respeito à necessidade de reformas institucionais e ao enfrentamento de tendências extremistas. A experiência venezuelana serve como um alerta sobre os perigos da impunidade e da violência política e destaca a importância de uma abordagem equilibrada e independente na política externa.


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