Para iniciarmos nossa coluna de hoje, retomamos a leitura da riquíssima Enciclopédia Discursiva da Cidade (ENDICI), de autoria do Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Entendemos que precisamos saber a diferença entre cidade e município:
“Por cidade, entende-se o espaço urbano de um município delimitado por um perímetro urbano. Para ser considerada cidade, é preciso ter um número mínimo de habitantes e uma infraestrutura que atenda minimamente as condições dessa população, mesmo que essa cidade seja dependente de outras que se localizem próximas a ela.” ¹*
“Por município, entende-se o espaço territorial político dentro de um estado ou unidade federativa, é o espaço administrado por uma prefeitura. O município possui a sua zona rural e a zona urbanizada.” ¹*
essa área urbanizada é a cidade.
Aprofundando um pouco mais esses conceitos, complementamos dizendo que os municípios são, na realidade, a ordem jurídica. Ou seja, são a burocracia necessária ao federalismo. Já o conceito de cidade está relacionado à área urbana, é o território onde vivemos, onde trabalhamos, onde aprendemos e crescemos, onde nos apaixonamos, nos divertimos e, até algumas vezes, onde choramos e sofremos. A cidade é onde a vida acontece. No entanto, é o município com toda sua estrutura organizacional (prefeitura, câmara de vereadores, equipamentos públicos) que interfere diretamente na vida das pessoas na cidade. Sendo assim, é o município que deve garantir muitos dos direitos das pessoas na cidade.
Podemos dizer que o município expressa a materialidade e a cidade traz consigo a ideia da imaterialidade. Como assim? A Constituição Brasileira de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, afirma que cabe aos municípios legislar, regular e executar serviços de educação infantil e fundamental, coleta de lixo, iluminação, uso e ocupação do solo, ordenamento urbano, transporte público, atenção básica à saúde, entre outros.
Apesar de territorialmente a cidade estar inserida em um município, o que tornaria menor em área do que o município, entendemos a noção de cidade, metaforicamente, como mais ampla que a noção de município. A partir das nossas reflexões, podemos dizer que o conceito de cidade carrega consigo nossa cultura, nossa história e nossas tradições. É resultado da vida das pessoas e de suas relações. Este é o conceito que traz consigo a ideia de imaterialidade, do intangível.
Está fazendo sentido, certo? Então vamos lá! É sobre isso que nos propusemos a debater aqui nesta coluna.
Quais são os nossos direitos relacionados a viver nas cidades? Como podemos alcançar os nossos direitos legais/constitucionais – ligados ao que comentamos acima sobre materialidade? E também: como podemos assegurar nossos direitos relacionados ao que chamamos aqui de direitos tradicionais e/ou culturais – relacionados à imaterialidade?
Vamos propor aqui um exercício de pensamento: Uma cidade colonizada de forma majoritária por imigrantes de uma etnia deve dar aos seus cidadãos o direito de estudar sua língua originária nas escolas municipais? Em uma cidade de vocação industrial temos o direito de ter ensino técnico profissionalizante gratuito e de qualidade?
Ah… então, é disso que estamos falando! Podemos continuar essa linha de raciocínio?
O principal assunto sobre urbanidade do momento é a segurança! Sabemos que a segurança é função dos governos estaduais. É o governo do estado que atua diretamente sobre a ordem pública e as forças de segurança civil e militar. No entanto, podemos também refletir sobre como o município pode contribuir para a segurança nas cidades.
O senso comum, de maneira errônea, costuma afirmar que a segurança está relacionada ao tamanho das cidades: cidades menores são mais seguras do que cidades maiores. Sabemos, no entanto, que o número de habitantes de um município não define a sua sensação de segurança. A segurança pública está diretamente relacionada às disparidades econômicas entre cidadãos. Essas disparidades econômicas – parte da população com alto poder aquisitivo e parte da população com poder aquisitivo muito baixo – costumam resultar na existência do comércio de mercadorias ilícitas. Sim, estamos admitindo que há um mercado de coisas ilícitas! E justo este mercado invisível e abafado é o responsável pela maioria absoluta das ações de violência nas cidades. Cabe dizermos aqui que o próprio combate à violência dos mercados ilícitos, também costuma gerar violência.
Notícias sobre a violência geram sensação de insegurança, geram medo, geram desconfiança. Alimentados por estas notícias, entendemos que em certos locais e em certos horários não estamos seguros. Você já pensou sobre isto? Nós sentimos a insegurança em certos locais e em certos horários, mas não o tempo todo. E por que isso ocorre? Quais seriam essas condições?!
A escritora norte-americana Jane Jacobs, em seu livro Morte e Vida nas Grandes Cidades, afirma que nos sentimos seguros quando não estamos sozinhos no espaço público. Ela coloca que os “olhos da cidade” nos trazem segurança. Então o que seriam os “olhos da cidade”? São as pessoas que circulam pela cidade. E o que faz as pessoas circularem pelas cidades de acordo com ela? A variedade de usos (comércios e residências próximos), quadras curtas, iluminação pública de qualidade, entre outras características.
O planejamento urbano, legislado pelo município, é uma ferramenta que pode contribuir para a segurança das cidades! Você dialoga com seu vereador sobre esse assunto? As diretrizes de uso do solo, presentes no Plano Diretor de seu município, mapeiam, por exemplo, as áreas destinadas às residências, aos comércios e à preservação ambiental. De acordo com Jane Jacobs, é a partir da mistura destes usos que temos a sensação de segurança. Ou seja, uma cidade que mescla áreas de ocupação habitacional, com comércio, com áreas de serviços, lazer, gastronomia, edificações multiuso, é uma cidade que tem mais “olhos atentos”. Se temos diversos tipos de ocupação de uma área, temos mais pessoas circulando, mais pessoas, em atividades de trabalho, estudo ou lazer que circulam nestas áreas. Porém, cidades com planos de ocupação mais setorizados, criam espaços e lacunas de tempo e espaços, não ocupados, ou que não tem movimentação de pessoas e atividades. Os bairros estritamente residenciais, tendem a ser menos seguros que as áreas centrais das cidades. E isso só muda com policiamento, específico ou ostensivo, ou outras medidas de segurança privada, por exemplo.
Você leitor já deve ter visto esses condomínios de alto padrão, que parecem seguros, mas, na verdade, são constantemente vigiadas por serviços de segurança privada. Vigilância constante é segurança? Acreditamos que não!
Você conhece o plano diretor da sua cidade? Este plano diretor considera a segurança e o conforto das pessoas?
Vamos falar agora sobre os serviços públicos – escolas e postos de saúde, por exemplo. Na sua cidade, estes serviços estão próximos das áreas residenciais ou afastados? Dividir a ocupação dos locais de prestação de serviços públicos em pontos estratégicos pode ser outra ação do poder público que contribui de sobremaneira para gerar mais sensação e condições de segurança.
Também é importante pensar que estes espaços podem e, preferencialmente, devem ser multi uso. Dessa forma, irão gerar maior fluxo no local: quanto mais serviços diversificados tivermos, melhor e mais diversificado será o fluxo de pessoas. Quanto mais pessoas circularem por um local, maior a sensação de segurança: são ” os olhos da cidade” da Jane Jacobs.
A construção de cidades mais seguras é nosso direito é nosso dever.
Nas eleições municipais deste ano, este foi um debate realizado pelos candidatos que você votou?
Gostou desta reflexão? Vamos construir cidades mais seguras? Nós queremos sua ajuda e sua contribuição.
Participe, deixe seu comentário, sua reflexão. Você concorda ou discorda das nossas ponderações?
Vamos juntos?
Este artigo foi finalizado no ambiente aconchegante do Trofi Restaurante, localizado no bairro de Coqueiros, em Florianópolis, acompanhado por um delicioso sauvignon blanc com notas de pimentão e azeitonas em conserva, selecionado pelo nosso amigo sommelier Jonatan e uma excelente pizza de fermentação natural.
Por Jeser Batista e Milena Brandão.
ver imagem https://www.pps.org/article/a-great-unbalance
¹ cidade – Endici em: 10/12/24 – 14h31
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não necessariamente reflete a opinião do Portal Conecta SC