Por Jeser Batista
Desde os primeiros agrupamentos humanos, as praças surgiram como locais de reunião
para atividades coletivas, como comércio, festas e eventos, enquanto as ruas evoluíram de
trilhas naturais para vias estratégicas de conexão e de manutenção das relações
econômicas e de poder, como no Império Greco-Romano. É importante ressaltar que
civilizações africanas, como Kemet (Egito), já possuíam espaços públicos organizados
antes dos exemplos europeus, embora a narrativa histórica dominante tenha sido
influenciada pela colonização ocidental.
Esses espaços — praças, ruas e parques — sofreram diversas mudanças com o passar do
tempo, especialmente com o desenvolvimento da burguesia, que alterou o equilíbrio entre
as esferas pública e privada. Nesse período do desenvolvimento da burguesia europeia, os
espaços públicos se tornaram espaços privados de comércio, com uma diminuição das
funções mais políticas ou de eventos. Mas, historicamente, as sociedades sempre
cultivaram os espaços públicos de uso coletivo com funções de lazer e entretenimento.
As ruas, praças e parques são direitos fundamentais dos cidadãos, garantidos por diversas
instâncias e legislações, como a Constituição Federal de 1988 (CF/88), nos artigos 1º, III;
6º; e 225. Também estão assegurados no Código Civil (Lei nº 10.406/2002), nos artigos 99,
I, que classifica as praças, ruas e parques como bens públicos de uso comum do povo, o
que significa que são inalienáveis (não podem ser vendidos ou transferidos) e devem ser
acessíveis a todos, e no artigo 103. No Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), destacam-
se os artigos 2º e 43. Na Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979), o artigo
4º é relevante. No Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei nº
9.985/2000), os artigos 11, § 4º, e 17, § 6º, são fundamentais. Na Lei de Política Nacional
do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), o artigo 2º, I, também é importante.
Temos ainda as legislações estaduais, como em Santa Catarina, onde, por meio da Lei nº
17.492/2018, determina-se que 35% dos loteamentos sejam destinados a áreas públicas,
incluindo praças e parques. Por último, mas não menos importante, há a Carta Mundial pelo
Direito à Cidade, que, embora não seja uma lei brasileira, influencia políticas públicas ao
defender o direito de todos os cidadãos à cidade, incluindo o acesso a espaços públicos de
qualidade e a participação na gestão urbana.
Agora, vejamos: tudo isso nos garante o direito ao uso e posse, mas há algo especialmente
importante no Estatuto da Cidade, no artigo 43, que determina que a gestão das áreas
públicas deve ser feita de forma participativa, com a inclusão da população e de
associações representativas.
É aqui que realmente começamos o debate deste tema, uma vez que, por ser um direito de
uso e pertencimento como um direito difuso da sociedade, obriga o poder público a fazer a
gestão compartilhada das praças e parques. Vamos refletir, então, sobre como podemos
encontrar vantagens na gestão pública participativa, especialmente das praças, parques e
ruas das nossas cidades.
Essa forma de gestão procura assegurar mais inclusão, sustentabilidade, transparência e
equidade dos diversos interesses das pessoas por segmentos da sociedade, como jovens,
idosos e portadores de necessidades especiais, além de fortalecer o sentimento de
pertencimento e, a cultura cidadã. E dessa forma, esses espaços se tornam mais eficientes,
adaptáveis e representativos das necessidades e aspirações da população.
Outra importância que se pode atribuir à participação popular na gestão desses espaços diz
respeito ao resultado do desenvolvimento territorial do entorno. Quando um parque ou
praça tem seu uso debatido e construído em parceria com a população, essa área se torna
um motor de desenvolvimento econômico, ambiental, cultural, esportivo e de lazer para toda
a cidade.
Por isso, nosso debate é sobre a coisa pública e nosso direito à cidade. Quanto maior e
mais efetiva for a participação, mais adequado será o uso e mais se assegurarão as
diversas necessidades da comunidade local. Dessa forma, não teremos espaços públicos
sendo vendidos, trocados e permutados pelas administrações que se sucedem pelo rito
democrático da eleição. Vamos mostrar, pelo menos, um exemplo de como uma realidade
poderia ser diferente se houvesse a participação e o pertencimento das pessoas.
Temos vários exemplos de como a falta de gestão participativa desses espaços pode
dificultar a cultura do pertencimento da população. Para apontar um desses exemplos,
podemos citar o Parque Municipal Ribeirão das Pedras, na cidade de Indaial (SC), ou
Parque Jorge Hardt.
Esse parque já existe desde a década de 1990, quando foi adquirido e implantado, com
algumas benfeitorias. As administrações que sucederam esse momento tentaram diversas
formas de efetivação do uso do parque por parte da população, mas, até hoje, os resultados
são pequenos e quase imperceptíveis. O parque referido não passa de um lugar de eventos
da cidade, o que é lamentável pelo seu tamanho e potencial ambiental. Ações efetivas
deveriam ser discutidas com a comunidade, mas as administrações mais recentes apenas
fizeram intervenções de equipamentos de lazer, que pouco ou quase nada são usados. Não
fosse o Mauro, “cidadão benemérito do parque” (eu que estou atribuindo essa honraria),
que usa a lagoa e pesca por lá diariamente, talvez o parque pudesse até ter sido
abandonado, visto que sua presença sempre causou algum olhar ao parque, pois havia
algum uso. Mas, claro, esse exemplo é um superlativo de retórica, já que, o que importa
mesmo é dizer que: sem a participação da sociedade, não se cria pertencimento.
Para concluir nosso debate, queremos afirmar que, quando esse debate e essa gestão são
compartilhados, podem-se levantar questões como o uso do espaço para gerar sensação
de segurança — assunto que já abordamos na coluna —, o uso do espaço para terminais
de transporte coletivo, que nos assegura mobilidade urbana — em outra edição,
abordaremos esse tema estratégico das cidades —, e, quem sabe, de educação ambiental
e cultural. E ainda, quanto mais pudermos sonhar e construir. Esperamos, assim, contribuir
e provocar as pessoas a se questionarem sobre seus direitos, o quanto exercemos esses
direitos e como podemos ampliar o nosso direito à cidade, começando pelos mais
democráticos dos espaços públicos: as praças e os parques das nossas cidades. Nossa
ideia é trazer essa reflexão, abordando todas as formas juridicas que nos asseguram esses
direitos, mas também mostrar, como fizemos logo acima, as vantagens que podemos fazer acontecer se nos empoderarmos dos nossos direitos. Nosso chamamento público é: vamos
invadir as nossas praças e começar a exercer nosso direito de uso e gestão.
Um “Viva” às praças e aos parques, e outro “Viva” ao nosso direito à cidade. A bem da
verdade, “A praça é nossa!”.