Quando a dor se transforma em luta, ela ganha o poder de moldar a história. Essa é a essência da trajetória de Eunice Paiva, uma mulher que, após o assassinato do marido, se tornou uma das maiores defensoras dos direitos humanos no Brasil, especialmente no que tange aos mortos e desaparecidos durante a Ditadura Militar e aos povos indígenas. Sua jornada inspirou o aclamado filme “Ainda Estou Aqui”, que recentemente conquistou o prêmio de Melhor Filme Internacional no Oscar 2025. Mas, o que está por trás dessa história de resiliência, coragem e transformação? Vamos conhecer a verdadeira força dessa mulher que, mesmo diante das maiores adversidades, seguiu em frente com determinação e propósito.
Conteúdos
UMA HISTÓRIA DE LUTA E DEDICAÇÃO À VERDADE
A vida de Eunice Paiva nunca foi comum. Tudo começou com o brutal assassinato de seu marido, Rubens Paiva, ex-deputado federal e militante político. Ele foi capturado, torturado e morto pela Ditadura Militar brasileira em 1971, um crime que demorou mais de 25 anos para ser oficialmente reconhecido. Quando Eunice, juntamente com sua filha Eliana, foi presa e interrogada, a dor da perda do marido foi acompanhada pela busca incessante por justiça. No entanto, a morte de Rubens Paiva não apenas abalou a vida de Eunice, mas a impulsionou a tornar-se uma das principais vozes na luta pela memória, verdade e justiça dos desaparecidos políticos.
UMA ADVOGADA QUE MUDOU A HISTÓRIA
Com 47 anos, após a morte do marido, Eunice Paiva tomou uma decisão ousada: deixou sua formação inicial em Letras de lado e, com coragem, decidiu se formar em Direito. Ela não só se formou, mas também se especializou em direitos indígenas, um tema que passaria a ocupar um lugar central em sua vida e em seu trabalho. Em 1987, fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (Iama), organização que atuava na defesa da autonomia e dos direitos dos povos indígenas. Este foi apenas o começo de sua longa trajetória.
Em 1988, Eunice Paiva foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, a responsável por elaborar a Constituição Federal brasileira, um marco fundamental para a democracia do país. No entanto, sua contribuição não se limitou à legislação. Ela também foi uma defensora incansável da Lei 9.140/1995, que reconheceu oficialmente as mortes de pessoas desaparecidas em razão de sua militância política, como Rubens Paiva. A promulgação dessa lei representou uma vitória para centenas de famílias que, assim como a dela, haviam sido marcadas pela tragédia do regime militar.
A LUTA PELOS POVOS INDÍGENAS: UM LEGADO AMBIENTAL E CULTURAL
Além de sua atuação no campo dos direitos humanos, Eunice Paiva se destacou por seu trabalho na proteção dos povos indígenas, especialmente no caso da Terra Indígena Zoró (TIZ), localizada em Mato Grosso. Sua contribuição foi fundamental para o processo de demarcação dessa terra, essencial para a sobrevivência e preservação de uma cultura indígena milenar. O professor Carlos Trubiliano, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), destacou que Eunice foi uma das pioneiras ao compreender a importância das terras indígenas não apenas para a preservação das culturas, mas também para a manutenção do meio ambiente.
Trubiliano explica que, na época, os Zoró, um dos últimos povos indígenas a serem contatados por não indígenas, enfrentavam uma série de desafios, como invasões de terras e surtos de doenças que dizimaram grande parte de sua população. A atuação de Eunice Paiva foi essencial para garantir que os Zoró tivessem seu território demarcado, assegurando a sobrevivência de sua cultura e do bioma em que habitavam.
“Eunice não apenas reconheceu a viabilidade da demarcação da terra, mas também defendeu com afinco a importância de proteger aquele território, não só para o povo Zoró, mas para a preservação ambiental de todo o bioma”, afirmou Trubiliano.
Essa visão de Eunice foi crucial para a concretização da demarcação, garantindo que o povo Zoró não desaparecesse diante da marcha da história.
O CAMINHO PARA A JUSTIÇA: A LUTA PELA RETIFICAÇÃO DAS CERTIDÕES DE ÓBITO
No coração da luta de Eunice Paiva estava a busca incessante pela verdade sobre as mortes e desaparecimentos durante o regime militar. Seu trabalho incansável para obter a certidão de óbito do marido, Rubens Paiva, é um símbolo de sua dedicação à justiça. Através dessa ação, Eunice ajudou a pavimentar o caminho para que outras famílias de desaparecidos políticos tivessem seus documentos corrigidos, reconhecendo oficialmente a verdadeira causa da morte de seus entes queridos.
Em janeiro de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) entrou em contato com as famílias dos desaparecidos, incluindo a de Rubens Paiva, para informar que estavam em processo de retificação das certidões de óbito. A mudança nos documentos vai indicar que a causa das mortes foi violenta, não natural, e causada pelo Estado brasileiro durante o período de repressão política.
Essa conquista representa uma enorme vitória para a memória histórica e para as famílias que, por décadas, viveram sem saber a verdadeira causa da morte de seus entes queridos. Eunice Paiva se tornou um símbolo não apenas de justiça, mas também da luta pela verdade e pela preservação da memória.
A SAÍDA DE CENA DE UMA LÍDER INESQUECÍVEL
Em 13 de dezembro de 2018, Eunice Paiva faleceu aos 86 anos, após viver 14 anos com Alzheimer. Sua morte, porém, não diminui a grandiosidade de seu legado. Pelo contrário, sua história continua a reverberar no Brasil e no mundo, especialmente com o sucesso do filme “Ainda Estou Aqui”, que dramatiza sua luta e sua trajetória de vida. A produção foi reconhecida com o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025, trazendo sua história à tona para uma audiência global e reforçando a importância de sua contribuição para a defesa dos direitos humanos e para a memória histórica.
UM EXEMPLO DE LUTA, DEDICAÇÃO E LEGADO
Eunice Paiva, com sua força, inteligência e coragem, deixou um legado que vai muito além das lutas jurídicas e políticas que travou. Ela demonstrou que é possível transformar a dor da perda em uma fonte inesgotável de energia para defender a justiça, a verdade e os direitos humanos. Seu trabalho ajudou a garantir que a história não fosse apagada e que os povos indígenas tivessem sua dignidade e seus direitos respeitados.
Agora, com o filme “Ainda Estou Aqui” e o reconhecimento mundial dessa trajetória, o exemplo de Eunice Paiva é mais atual do que nunca. Ela nos ensina que, apesar das dificuldades, é possível viver com propósito e deixar um legado que transcenda gerações.
Sua luta continua viva, e sua história é um lembrete de que, no fim das contas, a verdade e a memória sempre prevalecerão.
Fonte: Agência GOV
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